terça-feira, 22 de outubro de 2013

Beato Joao Paulo II

Hoje celebra-se a memória liturgica do beato Joao Paulo II... Que ele interceda por nós pecadores e nos dê o exemplo da sua vida como caminho da nossa perfeição. Amén





JOÃO PAULO II
A Misericórdia de Deus - Amor mais forte do que a morte, mais forte do que o pecado

8. A cruz de Cristo sobre o Calvário é também testemunha da força do mal em relação ao próprio Filho de Deus: em relação Àquele que, único dentre todos os filhos dos homens, era por sua natureza absolutamente inocente e livre do pecado, e cuja vinda ao mundo foi isenta da desobediência de Adão e da herança do pecado original. E eis que precisamente n'Ele, em Cristo, é feita justiça do pecado à custa do seu sacrifício, da sua obediência «até à morte» 81, Aquele que era sem pecado, «Deus o tratou por nós como pecado» 82. É feita justiça também da morte que, desde o início da história do homem, se tinha aliado ao pecado. E este fazer-se justiça da morte realiza-se à custa da morte d'Aquele que era sem pecado e o único que podia, mediante a própria morte, infligir a morte à morte 83. Deste modo, a Cruz de Cristo, na qual o Filho consubstancial ao Pai presta plena justiça a Deus, é também revelação radical da misericórdia, ou seja, do amor que se opõe àquilo que constitui a própria raiz do mal na história do homem: se opõe ao pecado e à morte.

A Cruz é o modo mais profundo de a divindade se debruçar sobre a humanidade e sobre tudo aquilo que o homem-especialmente nos momentos difíceis e dolorosos-considera seu infeliz destino. A cruz é como que um toque do amor eterno nas feridas mais dolorosas da existência terrena do homem, é o cumprir-se cabalmente do programa messiânico, que Cristo um dia tinha formulado na sinagoga de Nazaré 84 e que repetiu depois diante dos enviados de João Baptista 85.

Segundo as palavras exaradas havia muito tempo na profecia de Isaías 86, tal programa consistia na revelação do amor misericordioso para com os pobres, os que sofrem, os prisioneiros os cegos, os oprimidos e os pecadores. No mistério pascal são superadas as barreiras do mal multiforme de que o homem se torna participante durante a existência terrena. Com efeito a cruz de Cristo faz-nos compreender as mais profundas raízes do mal que mergulham no pecado e na morte, e também ela se torna sinal escatológico. Será somente na realização escatológica e na definitiva renovação do mundo que o amor vencerá, em todos os eleitos, os germes mais profundos do mal, produzindo como fruto plenamente maduro o Reino da vida, da santidade e da imortalidade gloriosa. O fundamento desta realização escatológica está já contido na cruz de Cristo e na sua morte. O facto de Cristo «ter ressuscitado ao terceiro dia» 87 constitui o sinal que indica o remate da missão messiânica, sinal que coroa toda a revelação do amor misericordioso no mundo, submetido ao mal. Tal facto constitui ao mesmo tempo o sinal que preanuncia «um novo céu e uma nova terra» 88, quando Deus «enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; e não haverá mais morte, nem pranto, nem gemidos,nem dor, porque as coisas antigas terão passado» 89.

Na realização escatológica, a misericórdia revelar-se-á como amor, enquanto que no tempo presente, na história humana, que é conjuntamente história de pecado e de morte, o amor deve revelar-se sobretudo como misericórdia e ser realizado também como tal. O programa messiânico de Cristo — programa tão impregnado de misericórdia — torna-se o programa do seu Povo da Igreja. Ao centro deste programa está sempre a Cruz, porque nela a revelação do amor misericordioso atinge o ponto culminante. Enquanto não passarem «as coisas antigas» 90, a Cruz permanecerá como o «lugar», a que se poderiam aplicar estas palavras do Apocalipse de São João: «Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e me abrir, entrarei em sua casa e cearemos juntos, eu com ele e ele comigo» 91. Deus revela também de modo particular a sua misericórdia, quando solicita o homem, por assim dizer, a exercitar a «misericórdia» para com o seu própio Filho, para com o Crucificado.

Cristo, precisamente como Crucificado, é o Verbo que não passa 92, é o que está à porta e bate ao coração de cada homem 93, sem coarctar a sua liberdade, mas procurando fazer irromper dessa mesma liberdade o amor; amor que é não apenas acto de solidariedade para com o Filho do homem que sofre, mas também, em certo modo, uma forma de «misericórdia», manifestada por cada um de nós para com o Filho do Eterno Pai. Porventura, em todo o programa messiânico de Cristo, em toda a revelação da misericórdia pela Cruz, poderia ser mais respeitada e elevada a dignidade do homem, já que o homem, se é objecto da misericórdia, é também, em certo sentido, aquele que ao mesmo tempo «exerce a misericórdia»?

Em última análise, não é acaso esta a posição que toma Cristo em relação ao homem quando diz: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos... foi a mim que o fizestes»? 94 As palavras do Sermão da Montanha — «Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» 95 — não constituem, em certo sentido, uma síntese de toda a Boa-Nova, de todo o «admirável intercâmbio» (admirabile commercium) nela contido, que é uma lei simples, forte e ao mesmo tempo «suave», da própria economia da Salvação? Estas palavras do Sermão da Montanha , mostrando desde o ponto de partida as possibilidades do «coração humano» («ser misericordiosos»), não revelarão talvez, na mesma perspectiva, a profundidade do mistério de Deus: isto é, aquela imperscrutável unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em que o amor, contendo a justiça, dá origem à misericórdia, a qual, por sua vez, revela a perfeição da justiça?

O mistério pascal é Cristo na cúpula da revelação do imperscrutável mistério de Deus. É precisamente então que se verificam plenamente as palavras pronunciadas no Cenáculo: «Quem rne vê, vê o Pai» 96. De facto, Cristo a quem o Pai «não poupou» 97 em favor do homem e que na sua paixão assim como no suplício da cruz não encontrou misericórdia humana, na sua ressurreição revelou a plenitude daquele amor que o Pai nutre para com Ele e, n'Ele para com todos os homens. Este Pai «não é Deus de mortos, mas de vivos» 98. Na sua ressurreição Cristo revelou o Deus de amor misericordioso, precisamente porque aceitou a Cruz como caminho para a ressurreição. É por isso que, quando lembramos a cruz de Cristo, a sua paixão e morte a nossa fé e a nossa esperança concentram-se n'Ele Ressuscitado naquele mesmo Cristo, aliás, que «na tarde desse dia, que era o primeiro de semana... se pôs no meio deles» no Cenáculo «onde se achavam juntos os discípulos ... soprou sobre eles e lhes disse: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos» 99.

Este é o Filho de Deus que na sua ressurreição experimentou em si de modo radical a misericórdia, isto é, o amor do Pai que é mais forte do que a morte. Ele é também o mesmo Cristo Filho de Deus, que no termo — e, em certo sentido, já para além do termo — da sua missão messianica, se revela a si mesmo como fonte inexaurível de misericórdia, daquele amor que, na perspectiva ulterior da história da Salvação na Igreja, deve perenemente mostrar-se mais forte do que o pecado. Cristo pascal é a encarnação definitiva da misericórdia, o seu sinal vivo: histórico-salvífico e, simultaneamente, escatológico. Neste mesmo espírito a Liturgia do tempo pascal põe nos nossos lábios as palavras do Salmo: Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor 100.


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